segunda-feira, 29 de outubro de 2012

África parte II - Marrocos a Argélia (divisa): chove no Sahara?

Vamos a segunda parte e talvez a maior desssa grande aventura...

Já no primeiro dia no Marrocos, o meu amigo Assaim, que queria arranjar casamento pra mim chamou um sheik mais velho chamado Abu, para negociarmos um passeio. Sem saber de nada que essa viagem poderia nos proporcionar queriamos negociar o máximo pra chegar num preço justo para ambas às partes. Eis que Abu chega e começamos a negociar, eu na condução dessa árdua tarefa. Ele só falava árabe, inglês e espanhol. Pois bem, vamos treinar o espanhol! A negociação do passeio durou bem mais de uma hora, quando chegamos a um ótimo consenso, consenso esse que nos levaria para o passeio mais completa. Íamos cruzar o Marrocos, conhecer várias cidades, vilas e povos, até chegar ao Deserto do Sahara e passar uma noite por lá, num ponto que era quase divisa com a Argélia, outro país africano. Pechinchamos tanto que Abu nos disse assim: "- Vocês vão voltar desse passeio e vão me dizer que a viagem foi um presente". O que não sabia era que ia concordar com ele depois das primeiras poucas horas de viagem.
Nesse dia mesmo fomos alertados em levar bastante água para o deserto. Compramos dois litros por pessoa e lá fomos (depois de muita volta em Marrakesh) dormir doidos de ansiedade esperando pelo amanhecer do próximo dia. Quando bateu 5h da manhã acordei com a reza mulçumana em um alto-falante que acordava a todos e ecoava em toda a Medina. Uma sensação muito forte e estranha, mas emocionante. Acordamos depois ás 6h, tomamos café e lá fomos rumo ao interior do território marroquino. Um sheik foi nos levando pelas ruelas até chegarmos a um micro-ônibus que seria um dos transportes daquela trip. Dentro do veículo já estavam quatro pessoas da Turquia, Instambul, um deles que mora no Reino Unido. Outro deles, um cara de Nova Iorque que mora na Dinamarca, no qual a mãe mora em Madagascar, tudo isso somado a um motorista árabe que quase não falava língua nenhuma, somado é claro a nós onze, que adicionavam mais cinco estados brasileiros na mistura rumo ao deserto, hahahahaha. Isso que é multiculturalismo vivo.

Lá vamos nós olhando pela janela uma mistura de elementos que nunca vi na vida. Todas as cidades são cor nude, rosas, laranjadas, em tons de marrom e bege. Não existe cor que fuja disso, tudo é padronizado, todas as constuções. É tanta bagunça que isso passa a ser padrão. Ao longo das estradas é o comércio que continua imperando. Logo nos primeiros momentos passamos por uma imensa feira, que nos parecia ser uma feira de cordeiros e de bichos em geral. Os bichos eram arrastados de forma selvagem, seja em carrinhos, lombo dos donos, na rua etc. E observando tudo aquilo, acabo lembrando de muitos conceitos de uma cadeira que estudo aqui, "Comunicação Intercultural". O que é normal? O que é padrão? O diferente pra mim pode ser absolutamente normal par outra cultura ou povo. O respeito passa a ser a linguagem universal entre os povos. Deixa estar, observe sem julgar, aprenda com o novo. "Sair de casa é se aventurar" como já dizia os Los Hermanos...



E nós, dentro daquele veículo olhando com olhos assustados, mas isso é totalmente normal, fomos todos criados no ocidente. Se segue a estrada! Cada curva é uma nova paisagem deslumbrante que se vê, uma mescla de cores começa acontecer logo na subida da Cordilheira dos Atlas. Vamos subindo eternamente em círculos que parecem não ter fim. Pois que não tenha fim...as cidades e as construções da mesma cor nude, mas as montanhas verdes, de cor muito forte e no topo das monhanhas têm gelo, neve, sei lá. Lá em cima chega a fazer graus negativos. Mas como assim? Como em uma mesma paisagem tudo isso? Vimos isso logo do avião e ficamos indignados de como a natureza pode nos surpreender. Os vales são gigantes, e no meio do nada sempre há uma pequena casa, uma pequena vila de casas que surgem meio ao nada. Lá do alto o visual é inacreditável, venta bastante, tem sol e brisa.









Depois desse visual fomos subindo mais e mais e chegamos numa cooperativa de produção do famoso óleo de Argan, super cobiçado pelas mulheres, porque diz ser milagroso para as cabeleiras. Hahahaha...O óleo de Argan é vendido em vários locais de lá e muitos fabricam. Nessa cooperativa as mulheres ficam assentadas no chão descascando os grãos até extrair o Argan de dentro da casca dura. O turista chega ali depara com mulheres cobertas produzindo óleo que eles vão comprar e levar para todas as partes do mundo. Elas parecem bichos sendo fotografadas, mas vivem disso. O turismo é ao mesmo tempo uma praga e uma luz na vida das pessoas, porque se de uma forma você se sente envergonhado em ver tudo aquilo acontecendo, por outro lado você percebe que as pessoas vivem disso e estão submetidas a isso. Um grande paradoxo. E ao mesmo tempo penso que certos lugares e viagens é impossível você não se deixar levar por uma bolha. É essa bolha que possibilita seu movimento numa Terra tão diferente, tão distante e cheia de choques culturais. Está aí um grande dilema...
Voltando ao óleo, dizem que ele faz bem para a saúde de um modo geral, pele, cabelos, etc. É bem caro no Brasil e ali pode-se negociar e levar vidros por preços bem mais em conta. E ainda se mistura com chocolate, amendoim, melaço, para comer...é até gostoso, mas ele puro é de arrepiar!

 O chão da entrada da cooperativa é toda de casca de argan...




Depois dali fizemos a parada para almoçar em Ait-Ben-Haddou, na região de Souss-Massa-Drâa do Marrocos. é uma espécie de cidade fortificada bastante antiga. Desde as guerras e cavalarias que viam do deserto, os povos já se protegiam ali. Mais famosa ainda pelos vários filmes de Hollywood que já foram filmados ali, como "O Gladiador", "A Múmia", entre vários outros super famosos. Inclusive um set de filmagem de mais um destes filmes estava sendo construído. Porém, os moradores do local não ficam sabendo nada sobre o filme, só depois que este é lançado no cineme. Bizarro não? Atores e produção multimilionários usam daquele espaço e daquela paisagem para continuar se enriquecendo. A paisagem  é totalmente árida, porém, do lado desta vila passa o rio Ouarzazate, que estava seco por causa da estação muito quente. Um lugar maravilhoso, com um povo super simpático que nos tratou super bem...todos eles apixonados por futebol brasileiro. Crianças com sorriso no rosto esperando um gringo para tirar uma foto e levar alguns poucos dirhans. Apesar de ser um local turístico, ainda se conserva ali todo um ar rústico típico do continente africano. O povo tem um olhar sofrido, porém feliz. As crianças falam várias línguas, com o obejtivo de se infiltrarem no fluxo turístico daquele local. É muita reflexão num só lugar...As ruinas parecem labirintos (aqueles típicos locais em que Jade e Léo da novela "O Clone" da Globo, corriam um atrás do outro).





 A felicidade de um povo que contagia, que está nos olhos de cada um!



 Restaurante só de comida típica de lá...






 Arroz com temperos, legumes cozidos e uns bolinhos de carne estranhos que tinha um gosto muito forte de ervas...

Depois de comer e rodar pela vila por mais de uma hora, fomos subindo ainda mais, com um visual cada vez mais desértico e rosado, monocor. Fomos indo até chegar na cidade de Ouarzazate, cheia de prédio, comércio e museus sobre cinema. Na entrada da cidade, no primeiro trevo, tem um grande monumento de um rolo de filme, super característico dali a parada do cinema. Logo quando saímos da van, tinha um velhinho cantando e tocando pra gente, música típica dali. Ninguém deu um centavo, coitado, mas ele continuou ali sorrindo...até dançamos...foi um momento emocionante. E já estava chegando fim do dia, um dia cheio de descobertas e sensações.




Nosso grande resort na boca do deserto
No fim do dia quando já estava morto, pensava eu que iríamos ficar em um hostel super meia boca em qualquer quebrada...escureceu e fomos percorrendo círculos em vales de pedras, era só isso que dava pra ver. Depois de muito tempo, chegamos num hotel super foda, o "Le Vieux Chateau du Dades"! Daqueles bem típicos, super equipados, sofisticado até. Depois de um longo dia super cansativo nós merecíamos, e foi uam surpresa daquelas. Jantar típico, internet, banho quente, quarto fera. Precisávamos desse gás pra poder viver tudo do dia seguinte, com um perrengue dos bons, hahaha. Por ser noite não sabíamos onde estávamos, quando amanheceu...







Mais um dia intenso
Saímos dali, depois de um um jantar massa, com cuscuz marroquino com legumes, e um café da manhã top e fomos passando pelo Vale das Rosas, um vale imenso no meio de umas vilas, porém não haviam rosas por não estar na época...mas o lugar é lindo.


Depois dali fomos a outro vale, o Vale do Todra, no meio do nada e do marrom, milhares de coqueiros surgem ao lado da estrada. Muito foda!


Dali, percorremos mais quase duas horas e chegamos a uma vila chamada Tinghir, ou vale da garganta. Um povoado rico em cultura, cheio de histórias e sorrisos de crianças. Todas as mulheres viram os rostos para não serem fotografadas, até as crianças pequenas. Os meninos jogando bola foram super animados nos receber, mas até mesmo as amiguinhas os podam dizendo que não podem chegar perto. Fomos recebidos por um sheik que nos levou em meio as plantações que servem de alimento para camelos e animas em geral. Essas áreas verdes ficam no pé dos grandes paredões de pedra, e as mulheres arrancam diariamente esse mato e fazem blocos que carregam nas costas até o animal. É intenso demais estar tão perto de uma cultura tão forte, de uma forma de viver tão simples e pobre da que estamos acostumados. Nesse lugarm conhecemos a casa do sheik, sua esposa, e ele nos mostrou os tapetes que são produzidos lá. Não conseguimos sair até a Vanessa comprar uma peça, por 400 dirhan, 40 euros em média. Tomamos chá de menta e conversamos, todos sem calçados, só de meia na sala da casa daquele homem.







 


Depois de sair dessa vila almoçamos num restaurante péssimo, super sujo, cheio de gatos, o garçon falava apenas francês, errava todos os pedidos, faltava comida, um caos total. Ali era o último lugar antes de deserto, talvez por isso a região ser mais carente. Km's e mais km's, passamos por uma vila que todas as mulheres usavam burcas negras, super diferente e meio que assutador, pois a paisagem e o tempo estavam mudando muito. Visitamos um muses de fóssei de mais de 3 milhões de anos que foram encontrados nos deserto. Dentro das pedras dava pra ver mariscos, peixes, tudo encontrado no mar que havia antes de virar imensidão de areia. Eis que andando, começa meio que uma tempestade de areia, muita areia...doido! O tempo foi fechando demais, e começaram a aparecer as primeiras dunas maiores...até que, começou a CHOVER. Sim, chover. Todo mundo estava brigando se chovia ou não no deserto do Sahara (brigas feias mesmo, hahaha), e a resposta estava ali. Tudo molhado, o motorista árabe de cara com aquilo...zuamos que o Zeca Camargo iria aparecer do nada cobrindo pro Fantástico a chuva no deserto. Mais adiante eu vi uma cena e gritei: "- Caralho galera, tem 16 camelos estacionados esperando a gente ali na frente!".



Dromedários (eles não eram camelos) e o deserto
Começa aquela correria de pega mochila, faz turbante, os sheiks gritando "Ialáaa, ialáa", que é o vamos deles...aquela chuva fina caindo, um tempo super feio, trovões e relâmpagos. Todo mundo de uma hora pra outra estava em cima dos camelos rumo a passar a noite toda dentro do deserto. Andar de camelo (vou usar esse termo porque é mais fácil, rs) é no mínimo uma experiência curiosa que merece ser vivida. Hushaushuahsa! Fui o último a subir, ele impina o corpo e sobe rápido, e é muito alto. O meu era um dos mais altos, super obediente e logo fiz amizade com ele, hahahaha. Todos deram nome, o meu era Chacau, nome de um cão que tive há tempos...O sheik que puxava meu bicho era o Barack, fui ensinando palavras em português pra ele durante todo o percurso. No dia seguinte ele repetiu TODAS. Choramos de rir dele. Além disso ele tirava fotos super bem. Os primeiros 15 minutos é bem legal, depois fica interessante...depois escurece ainda mais o tempo, começa a ficar estranho. Suas nádegas e testículos começam a não EXISTIR mais. Isso mesmo, dói demais quando o camelo vai descer as dunas...Isso aconteceu com as meninas também. Gritávamos assim: " - PQP, vou ficar sem $¨&*(¨%$%!" Palaa sem fim! Mas mesmo com tudo isso eu parei e pensei: " - Caramba ow, estou no meio do deserto do Sahara, o maior do mundo, o deserto que Jesus e Maria atravessaram há milhares de anos atrás, estou na África!''. É no mínimo uma sensação foda, indescritível quase, uma emoção sem fim. Um sonho realizado, meses trabalhando por isso, pensando nesse momento e aquilo na sua frente, se tornando realidade. Agradecendo ali, a Deus, por me proporcionar toda essa experiência tão marcante.

Chacau

Meu amigo sheik, Barack

Estrelas cadentes e batuque
Depois de passar mais de uma hora até chegar nas cabanas, chegamos! Estacionamos os pobres camelos, e fomos para as barracas. São um conjunto de tendas super rústicas no meio do nada, sem nada, sem conforto algum. Apenas um colchão e um cobertor que nunca foram lavados, que cheiram a urina de camelo, muita areia...sem luz. Apenas luzes de velas. Largamos nossas coisas, e logo foi servido um Tagini, comida típica que já falei na parte I do post, comemos como se fosse um manjar dos Deuses. Muito pão, gatos correndo ambaixo dos nossos pés, um sucesso! Hushauhsaus! Depois de comer MUITO, os sheiks pegaram os batuques e fizemos a festa. Dançamos, cantamos, brincamos, esquecemos da vida e curtimos aquele início de noite no Sahara.



Depois um dos sheiks nos levou para andar nas dunas, somente com a luz da lua, que era giga. Andamos, andamos e paramos numa duna bem alta, talvez a maior que estávamos vendo. Ficamos ali por um tempo contemplando aquele céu negro, que parecia estar com uma tampa de vidro por causa de tantas estrelas. O céu mais lindo da minha vida, puro e repleto de pequenos planetas. O barulho que se ouvia era apenas da areia se movimentando, igual uma voz, coisa de doido. E é claro, do Lucas Coutinho soltando gases frenéticamente, ele estava meio mal do estômago (isso é outra história), hsuahushaus! Depois de ficar ali um tempo, pegamos os colchões e ficamos do lado de fora das tendas vendo estrelas, estrelas cadentes. Nunca tinha visto, quando vi, foi massa demais. Eram várias, toda hora passava uma.
Depois de um tempo dormimos, depois de criar coragem, rs. Tudo foi tenso naquela tenda, medo de bicho, Yandra passou mal por causa da comida, vozes. Enfim, estranho demais, mas foi...Fomos acordados 5h da manhã, subimos nos nossos camelos e partimos, andando nas dunas até amanhacer depois de mais de uma hora. Talvez a coisa mais linda que todos nós vimos na nossa vida.



 

Massa né?

Então pessoal, é isso! Chegamos na beira da estrada, tomamos um belo café da manhã com polenguinho e panqueca e retornamos em mais de 12 horas até Marrakesh, para voltar desse sonho, desse mergulho nessa cultura e povo tão rico, tão plural. Talvez, talves não, certeza de ter feito a melhor viagem da minha vida. E acho que depois de fazer várias, essa terá seu significado especial. Acho que poderá ser a mais marcante de todas elas. Viver num continente tão diferente de um que está ao meu lado. Como pode mundos tão opostos estarem separados apenas por uma pequena porção de água? Como as pessoas são tão diferentes umas das outras? Como o conceito de felicidade é tão diferente para todos nós? Olhar dentro dos olhos de cada uma daquelas pessoas que cruzou meu caminho e poder dialogar com elas foi forte demais. Uma lição de vida, mesmo que não tenha conhecido a parte mais pobre e mais carente da África. Foram alguns dias de imersão total, sem me preocupar com a vida que tinha deixado pra trás. Fica na memória tudo que vivi lá, tentei passar a vocês, amigos, parentes, minha família, um pouquinho do que vi e experimentei lá longe, fazendo uma brincadeira com o nome deste blog. A mórsa foi longe, foi e aprendeu. Está aprendendo a cada dia, ser mais humano, intenso, ser humano que enxerga a diversidade e a pluralidade de coisas da vida.

Até a próxima aventura, boa noite!